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Quarta-feira, 06 de setembro de 2023

Vida consagrada, suas graças e desgraças

Foto | Vida consagrada, suas graças e desgraças

O encontro da CRB – núcleo de Barretos – aconteceu no sábado, 19 de agosto. Iniciando com a Santa Missa, consagrados de várias localidades de nossa Diocese de Barretos encontraram-se para aprofundar o tema “Vida Consagrada: suas graças e desgraças”, desenvolvido pelo assessor Padre Leonardo da Silva Costa, CSSP, missionário espiritano.

Professando publicamente a radicalidade do Evangelho que assumiram no santo Batismo, os consagrados não estão isentos dos desafios que o povo de Deus enfrenta na contemporaneidade. No entanto é inegável que a vida consagrada, guiada pelo Espírito Santo, se reinventa. Exemplo disso é a riqueza da vida fraterna, um porto seguro para a superação dos limites pessoais e ao mesmo tempo um grande desafio para muitos. A cada desafio o consagrado é provocado a se transformar interiormente, renovando as esperanças e o apreço pelas coisas sagradas.

Por mais que às vezes haja uma grande tendência a potencializar o negativismo, a vitalidade de quem busca realmente fazer a experiência do Sagrado se renova nas relações fraternas, nos detalhes do cotidiano, no testemunho dos irmãos e irmãs. As motivações internas que devem nortear o religioso maduro passam por elementos como a alegria, o amor e o serviço. Por aí também passam o elogio sincero das virtudes presentes na vida do outro, o reconhecimento de suas qualidades e potencialidades.

Fazendo leituras constantes das vivências fraternas e empenhando-se na superação das mazelas que partem do interior do homem, o religioso precisa ser alguém que tenha aprofundamento nas relações interpessoais, uma vez que deles se esperaria uma renovação da própria existência a partir da vida fraterna. Nesse sentido, no ambiente da vida consagrada há quem se pergunte: “estamos idosos/as e não temos vocações, o que fazer?”. Como encantar um vocacionado para ingressar na Vida Religiosa hoje?

Problemas do mundo atual, como a polaridade política, as questões sociais e as dificuldades pessoais, principalmente em relação àqueles que não aprofundaram sua própria vocação, são temas pertinentes. Seja por terem um acompanhamento vocacional mal feito ou por um discernimento equivocado acerca da vida, não se pode negar que a vocação não resolvida pode atrapalhar tantos outros nesse seguimento.

Para que haja maior qualidade nas relações fraternas, é preciso abrir-se à docilidade do Espírito Santo, que ajudará cada um a fazer uma releitura do próprio carisma, reconhecer as incompatibilidades existentes entre o ethos atual e a fé cristã católica e a se encontrar enquanto pessoa. O discernimento é a palavra chave para que os consagrados superem seus dilemas de modo que a “felicidade interna bruta" seja plena.

Ao acolher a história com sabedoria e gratidão, o consagrado vivencia plenamente o presente, realizando-se em sua vocação, preparando um futuro que ainda não existe, mas configurando-se àquela feliz esperança em relação ao amanhã. Convicção do próprio chamado que traz consigo diversas consequências positivas e negativas, cruzes que fazem parte da vida mas que não podem criar religiosos “garrafa de café”: frios por fora e quentes apenas por dentro.

Iluminado pelas Escrituras e firme na missão, o consagrado/a não vacila na fé. Pelo contrário, assume o compromisso de vivenciar o próprio chamado perscrutando o Santuário do coração e buscando ali o sagrado que o motiva. Um elemento válido pode ser o de recorrer às alegrias de Maria: alegria da experiência de Deus, coragem para deixar-se conduzir, união e comunhão,  superação das crises com resistência, força da transparência dos votos, desapego aos bens e às instituições, austeridade nos mais diversos momentos e comportamentos, escolha pelo último lugar juntamente com os últimos, a profecia que anuncia e denuncia, o testemunho constante e capaz de provocar a própria Igreja a refletir sobre seus atos, a fé, a leitura das questões que afligem o povo, a vida de oração e assiduidade à Palavra, esta última principalmente na lectio divina.

E quanto às desgraças? Muitos daqueles que deixaram a vida religiosa consagrada relataram ter passado por crise de relações, ou seja, das dificuldades de viver e conviver; pela indiferença em relação ao carisma, a instituição e a casa onde se encontra; a agressividade com os irmãos e o povo de Deus; a ignorância ou desinteresse acerca da vida do outro, a falta da alegria de estar com os irmãos; a frustração daqueles que fogem dos votos e das Regras de vida; ⁷o turismo espiritual que apenas cumpre os horários mas não a experiência pessoal, o religioso que divide a fraternidade, o autoritarismo e a carícia ao poder e aos cargos e bens, a preguiça de quem se contenta com o pouco e nada mais, o individualismo consumista que se atenta ao bem-estar pessoal, a vocação mal resolvida daqueles que não dialogaram acerca da caminhada de fé sem ter o acompanhamento adequado, bem como a correção fraterna realizada sem a caridade.

Para que o caminho seja repleto de plenitude, é necessário viver com honestidade ao longo do acompanhamento formativo. A humildade, associada à renúncia de quaisquer atos de futilidade e arrogância, podem ser muito edificantes.

A vida de oração é o primeiro trabalho do religioso e é o trabalho mais vivificante. A relação com a primeira comunidade, a Trindade Santa, é o grande alicerce para o religioso. Arraigados no carisma vocacional, atualizam o próprio carisma a cada instante. Na Palavra encontram experiências belíssimas de oração cujos modelos podem ser imitados constantemente. Ainda que as dificuldades sejam latentes, a convicção e a abertura à voz do Senhor, que se faz ouvir no silêncio do coração, movem o coração do religioso a inclinar-se para o bem. Por outro lado, renunciar a uma vida de oração pode levar o religioso a desistir dos votos, apegando-se a argumentos pouco edificantes para os demais.

Enfim, saber valorizar o outro na vida fraterna, vendo-o como parte de um jardim florido que irrigado por Deus santifica todos à volta e favorece a acolhida dos pequeninos do Reino. Como ensinou Jesus nas parábolas da ovelha perdida, da dracma perdida e do filho pródigo. Para quem vive mais os cargos do que a entrega de si e o amor aos que precisarem, uma sugestão pode ser interessante: aquela visita ao cemitério, onde todos são iguais, mesmo tendo jazigos diversos, pode colaborar na reflexão sobre os bens terrenos e a posse das coisas.

 

Por: Frei Pe. Everton Piotto
Frei Pe. Everton Piotto

Sobre o autor:

Pe. Frei Everton Leandro Piotto, OFM,
Ordenação Presbiteral: 22/01/2021

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